“Eu não consigo respirar”: o assédio moral “sufoca” o bem-estar no trabalho e adoece
Era uma tarde fria de fim de inverno no sul do Brasil. Havia terminado a minha primeira palestra sobre assédio moral no trabalho em uma empresa pública federal. Várias pessoas solicitavam minha atenção, ofereciam abraços e contavam histórias. Até que só ficou ela. Uma senhora bonita, segundo relato, próxima da tão sonhada aposentadoria. Ela então me diz com alguma ternura que a palestra havia dado um nome para o terror que havia vivido há alguns anos e que tirou todo o brilho, toda a alegria em ir para o trabalho.
A ternura, logo virou raiva e depois tristeza enquanto narrava o que viveu: sabotagens, retirada de tarefas importantes, ironias, piadas, proibições infundadas, gritos, controle e muita agressividade. Tudo isso repetido dia após dia. Até que ela adoeceu, não conseguia mais ir ao trabalho, bastava passar na porta do prédio e começava a sentir falta de ar, sudorese, medo excessivo: “Eu não conseguia respirar! Simplesmente não conseguia respirar só em avistar o local que antes eu amava tanto. E com o tempo comecei a achar que eu era fraca emocionalmente, mas hoje você deu nome ao que eu vivi: Assédio Moral no Trabalho”.
Ela foi embora aliviada, e eu fiquei pensativa. O Assédio Moral no Trabalho (AMT) sufoca o bem- estar e pode tirar o sentido do trabalho e adoecer.
O trabalho (que não é apenas sinônimo de emprego e salário) é condição inexorável da existência humana e por meio dele transformamos algo e através dele também somos transformados. O produto do nosso trabalho é perene e permanece, muitas vezes, além de nossa existência. No Serviço Público, muitas vezes esse produto do trabalho não é tão visível, pois a materialização é a prestação de serviço.
Exatamente para compensar essa ausência do tangível, nós servidores e empregados públicos, buscamos nas relações o produto do nosso trabalho. Assim, as relações que estabelecemos com nossos colegas, gestores e “clientes” podem ser cruciais para nossas vivências de bem-estar.
No entanto, as vivências de assédio moral no trabalho são produtoras de intenso mal-estar, pois quebram a relação saudável com o “outro”, seja esse outro o gestor (assédio moral vertical descendente), colegas (assédio moral horizontal) ou subordinados ( assédio moral vertical ascendente). O assédio moral adoece o corpo e “alma”. Algumas pesquisas recentes correlacionam vivências de AMT com predisposição a problemas no coração, diabetes tipo 2, burnout e depressão.
O trabalho é um modo de existência nossa e quando sofremos qualquer tipo de assédio - essa forma continuada de violência emocional muitas vezes velada, mas não menos adoecedora - perdemos um pouco dessa vida, perdemos o fôlego, perdemos a capacidade de respirar, produzir, transformar...
O trabalho é a ponte que liga nossa objetividade e nossa subjetividade, pois deixamos uma marca nos resultados do nosso trabalho e o reconhecimento do outro, a valorização, a troca de informações e afeto entre as pessoas também auxiliam nesse resultado.
Combater o AMT é tarefa de todos: Magistrados e servidores. Então, trabalhar com ações de prevenção, acolhimento e responsabilização é também atuar na promoção da saúde, porém essa ação não fica restrita à área de gestão de pessoas e Secretaria de Saúde.
Rever as formas de gestão, melhorar nossa comunicação grupal e institucional, investir nos grupos de trabalho e na cooperação em detrimento da competição é o primeiro passo nessa caminhada.
E para longas caminhadas, precisamos respirar bem, não é mesmo?
Kátia de Lima – Psicóloga lotada na COPLAS/SESA/TJDFT e integrante da Rede de Acolhimento aos Noticiantes de Assédio Moral, Sexual e Discriminação. Atualmente é mestranda no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho – UnB e orientanda do Professor Mário Cesar Ferreira e das nossas conversas surgiu esse e outros textos.