Pediatra Marinã Ramthum do Amaral - Semana do Aleitamento 2016

por ACS — publicado 2016-08-03T16:23:00-03:00

A Amamentação e o Desenvolvimento Sustentável

 

Boa tarde a todos. Cumprimentos às autoridades.

Inicialmente, eu gostaria muito de agradecer a oportunidade de estar aqui hoje. Como mãe e como pediatra, me sinto duplamente feliz em poder falar um pouco sobre a amamentação e em poder representar de alguma forma uma campanha tão bonita e importante, que é a da Semana Mundial do Aleitamento Materno. É uma honra para mim estar aqui hoje.

Aleitamento Materno e Desenvolvimento Sustentável. Este é o tema desse ano. Dois termos aparentemente tão distantes, mas que na verdade estão intimamente relacionados! Ao procurar no dicionário a palavra sustentabilidade, encontrei duas definições: 1. Qualidade ou propriedade do que é sustentável, do que é necessário à conservação da vida. 2. Conceito que, relacionando aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais, busca suprir as necessidades do presente sem afetar as gerações futuras. A gente pode perceber que o conceito de Sustentabilidade é muito mais amplo do que falar simplesmente da defesa do meio-ambiente... Sustentabilidade é pensar no desenvolvimento de uma sociedade mais saudável, bem equilibrada socialmente, culturalmente e ambientalmente. Falar de sustentabilidade é falar do hoje, com olhos no bem-estar do amanhã. Diante de tudo isso, é impossível não relacionar o aleitamento materno a esses conceitos! Afinal, amamentar um bebê significa entre tantos outros significados que a amamentação pode assumir, significa exatamente olhar e cuidar do seu filho hoje, pensando em um desenvolvimento saudável, pensando no bem-estar de toda uma vida! Nesse momento, eu acabo deixando o lado da “pediatra” falar mais alto e aproveito para lembrar os inúmeros benefícios do aleitamento materno já comprovados cientificamente, como: nutrir o bebê da forma mais saudável possível, além de fazê-lo se sentir amado e seguro, prevenir infecções como diarreias, pneumonias, infecções de ouvido, dentre outras, reduzir o risco de obesidade na vida adulta, reduzir o risco de alergias, reduzir o risco de cáries e de problemas de má-oclusão dental, reduzir riscos de problemas de fala, reduzir riscos de câncer de mama para a mãe e, atualmente, há até mesmo estudos que correlacionam o aleitamento materno ao melhor desenvolvimento do bebê em aspectos emocionais e de inteligência. Mas além das inegáveis vantagens do ponto de vista de saúde, ainda podemos dizer que ambientalmente é a forma mais “ecologicamente equilibrada” de se alimentar uma criança, do ponto de vista econômico e social é também a forma mais justa para alimentar uma criança, pois está acessível a pobres e ricos,  com iguais benefícios de saúde a todos! E, se no início estes temas talvez parecessem distantes para alguns de vocês, acho que agora eu já posso dizer que o aleitamento materno tem sem dúvida um papel importante quando pensamos em desenvolvimento sustentável. Valorizar o aleitamento materno é valorizar o futuro!

Pensando nisso, eu não posso deixar de dizer que me sinto orgulhosa de poder trabalhar todos os dias em um projeto que ajuda a fortalecer o Aleitamento Materno dentro da nossa instituição, o Tribunal de Justiça! Quando eu vim trabalhar no PROAMI, eu já achava extremamente interessante esse tipo de projeto, que permite não apenas o aleitamento materno, mas a valorização do vínculo mãe-bebê no dia-a-dia. Mas foi trabalhando aqui, conversando com as mães que eu fui amadurecendo diversos conceitos... Porque é muito fácil para o pediatra se sentar na mesa do consultório e orientar a mãe falando que o aleitamento é saudável, que a Sociedade de Pediatria recomenda manter o aleitamento materno por dois anos ou mais, etc, etc, etc... Mas fora do consultório, na vida real, a gente vai percebendo as dificuldades que surgem... Como conciliar a amamentação e os cuidados de uma criança pequena com a vida profissional. Aqui no PROAMI, quando eu às vezes eu precisava afastar um bebê doente, pude presenciar mais de uma vez a angústia de uma mãe, por ver o seu bebê doente e ao mesmo tempo por pensar nas necessidades de afastamento do trabalho para cuidados com o bebê. Eu já presenciei mães que chegaram a ter lágrimas nos olhos ou que simplesmente me olharam de forma resignada. “É doutora... A senhora me dá então o atestado e eu vejo... Afinal, se o filho precisa, a gente se vira, né?”.

E hoje, após o nascimento da Stella, eu pude verdadeiramente conhecer o outro lado dessa história! Se eu já tinha noção das dificuldades que uma mãe enfrenta para conciliar trabalho e cuidados com o bebê, hoje, esse tema faz parte do meu dia-a-dia. A volta da licença-maternidade é algo tão intenso para a mãe que eu compararia como se fosse quase que um 2o parto! É deixar o seu ninho, onde o seu bebê estava em segurança e enfrentar o mundo real. Porque na licença maternidade, você se dá ao direito de ser “apenas” mãe (como se isso já não fosse uma tarefa e tanto). Tudo para para que você possa se dedicar ao seu bebê. E quando a licença acaba surgem os grandes desafios: Como fazer as coisas que eu fazia antes e continuar sendo mãe? (aliás, mãe, geralmente não basta, uma “super-mãe” para o meu bebê) As dúvidas, os medos, a insegurança: quem vai cuidar? Como ele vai ficar? Como ele vai comer? E se ele adoecer? E se ele simplesmente chorar quando eu sair? Perguntas aparentemente simples, mas que as mães levam consigo todos os dias quando vão para o trabalho. Trabalhar no PROAMI e agora ter a Stella aqui comigo me permitiu vivenciar um pouco mais a fundo esta realidade. E eu me lembrei de um antigo professor meu na UnB, Dr. Dioclécio Campos Júnior, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Ele sempre falava que a sociedade precisa aprender a valorizar a criança, que nossa sociedade muitas vezes não priorizava os cuidados com a infância e que isso trazia consequências em nível de saúde da população no futuro... E falava sobre o aleitamento e defendia direitos para as mães que amamentassem e para as trabalhadoras que cuidavam de crianças pequenas. No auge da minha juventude universitária, eu achava aquilo bonito, mas um pouco exagerado. Eu tinha a impressão de que o Dr Dioclécio queria que o mundo todo girasse apenas ao redor das crianças! Na minha inexperiência juvenil, eu pensava simplesmente que não era o mundo todo... bastava que a mãe se adaptasse um pouco e que seguisse as orientações dos pediatras para cuidar do seu bebê. O tempo e a minha experiência no PROAMI me fizeram ver que o Dr Dioclécio tinha razão! Para termos uma infância saudável e para que nossas crianças possam se tornar adultos saudáveis, não basta apenas o esforço individual da mãe. Uma mãe pode muito! Mas quantas e quantas vezes ela não precisará de apoio! Se não houver uma rede que ajude a sustentar essa mãe e esse bebê, não há como garantir uma infância com desenvolvimento saudável! Essa rede de apoio começa com os familiares: o pai, que é também fundamental, os avós, tios... essa rede se continua com os amigos e vizinhos... Mas essa rede precisa se estender para toda a sociedade. Se não houver apoio à amamentação e a uma infância saudável no trabalho, nas escolas, nas igrejas, nos hospitais, na televisão, nos shoppings, nas ruas, nos fóruns, nas instituições que elaboram as leis... Se a infância não for prioridade na sociedade, a mãe sozinha não dá conta! A mãe se esforça, mas sempre haverá alguns momentos em que ela se sente “nadando contra a corrente”! Por exemplo: quando a gente precisa amamentar o bebê e não encontra um local adequado; quando a gente quer trocar uma fralda, mas não tem um fraldário; quando o bebê chora e a gente percebe aqueles olhares dizendo “mas também, o que é que você está fazendo aqui com este bebê!”. A gente precisa ter consciência que para a nossa sociedade atingir um desenvolvimento realmente sustentável, um mundo mais saudável e justo, cuidar da criança é importante e que isso não é apenas uma tarefa das mães (ainda que às vezes elas sejam “super-mães”)!

Por isso, iniciativas como nós temos aqui no TJDFT, que há mais de dez anos instituiu o PROAMI e apoia a trabalhadora a amamentar e cuidar do seu bebê são fundamentais! E hoje, eu posso dizer que sou duplamente feliz com o PROAMI: sou feliz por me sentir valorizada como mãe, como mulher e como trabalhadora por me oferecerem essa oportunidade de conciliar da forma mais equilibrada possível o meu trabalho e os cuidados com a minha filha Stella e, ao mesmo tempo, sou feliz por trabalhar com um projeto em que acredito, algo que julgo importante, que me deixa orgulhosa e que, para mim, ajuda a construir um pouco da sociedade que nós temos como meta: uma sociedade que se desenvolve de forma mais justa, mais humana e mais equilibrada, valorizando a saúde e o bem-estar de todos.

Para encerrar essa nossa conversa, eu vou fazer uma pequena confissão: este discurso foi escrito de madrugada (acho que várias das mães aqui presentes vão poder concordar comigo que às vezes esse é o único horário em que é possível se concentrar um pouco numa tarefa, sem tantas interrupções!) Ainda assim, minha querida Stellinha, minha super-companheira nessa campanha da Semana Mundial de Aleitamento Materno, fez questão de chamar a mamãe umas duas vezes e pedir para mamar, para trazer inspiração e lembrar que esse é o nosso foco aqui hoje: o desenvolvimento sustentável, o aleitamento materno e o desenvolvimento saudável dos nossos bebês! Filha querida, este discurso é para você!