A conciliação não é só uma simples alternativa, é a busca de uma solução adequada

2ª Vice-Presidente do TJDFT, des. Ana Maria Duarte
por ACS — publicado 2019-11-06T23:01:00-03:00

Desa Ana Maria.jpgNesta em que se comemora a Semana Nacional da Conciliação, a 2ª Vice-Presidente do TJDFT, desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, grande entusiasta dos métodos conciliatórios e responsável pelo órgão encarregado de implementar a Política Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse no Âmbito do Poder Judiciário, no Distrito Federal, fala sobre essa importante prática que vem se consolidando dia após dia como alternativa pacífica à resolução dos conflitos, promovendo o diálogo e a conciliação.

 

A senhora acredita que a conciliação é, de fato, um novo caminho para o judiciário brasileiro?

Com certeza, e não se trata só de caminho secundário, auxiliar. É tão importante a busca da conciliação, como a busca da composição de um litígio em processo adversarial. São possibilidades diferentes e isso é o que significa um tratamento adequado de conflitos - cada um com a solução mais adequada a questões que não se compadecem de um longo período para a sua solução. É um caminho, e eu digo, tão importante quanto o caminho tradicional. Não é só uma simples alternativa, é a busca de uma solução adequada.

Tem-se notícia do uso dessas práticas autocompositivas também em outros países?
Sim, todos já se conscientizaram de que a busca da mediação e da conciliação é a primeira questão a ser intentada, primeira solução a ser buscada, porque isso abrevia uma situação conflituosa e paralelamente vai deixar para a justiça os processos que realmente necessitam de um tempo maior de elaboração e para o qual realmente não há possibilidade de recuos, de parte a parte, para uma solução conciliatória negociada.

Em que áreas os resultados obtidos são mais visíveis?
Por incrível que pareça na área de família, onde se consegue, mediante um trabalho prévio de oficina de parentalidade, separar a questão da conjugalidade que faliu. Com isso, os índices de acordo superam 60% e às vezes chegam quase a 80%, porque se trata de solução de questões que não vão poder ser afastadas, como a pensão e guarda compartilhada. E isso pode ser feito através de uma solução negociada, o que em um espiral de conflito agudizado dia a dia inviabiliza até um exercício mais harmonioso da parentalidade conjunta.

A previsão do instituto da conciliação e da mediação no novo Código de Processo Civil contribuiu para amenizar a resistência de uma parcela de advogados ante a adoção dessas práticas?
Com certeza. Em épocas mais recentes, inclusive na presidência da nossa seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, já vemos um incentivo e foi inserido inclusive no Código de Ética do advogado esse compromisso da busca primeira pela conciliação. O advogado é o primeiro juiz da causa e ele está cada vez mais conscientizado de que deve buscar uma solução mais célere no tempo, mais econômica para todos e assim bem exercer sua profissão e cumprir seu dever.

Nesse novo cenário, qual a relevância da introdução de conciliação e mediação como matérias obrigatórias no curso de Direito, a partir do próximo ano?
Agora sim, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Educação, vamos incluir essa matéria [no currículo dos estudantes]. A minha geração, por exemplo, tentou a busca da conciliação e mediação, que estava inclusive como dever do juiz no Código anterior (no seu artigo 125), a qualquer tempo. Mas a minha geração não teve esse preparo técnico. Fazíamos mais por uma questão empírica, com a experiência de cada um. Não há dúvida de que a técnica, a abordagem psicológica e social da questão propicia um elevado percentual de êxito possível que é alcançado mediante a adoção dessas técnicas que se aprendem sim na escola, se aperfeiçoam sim na escola e não confiando apenas no jeitinho de cada um.

O TJDFT oferece algum curso para pessoas interessadas em atuar como conciliadores?
Com certeza, no nosso NUPEMEC - Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação temos cursos importantes periódicos, com uma parte teórica de, no mínimo, 40 horas aulas e uma parte prática de cerca de 100 horas, em média. Fora o treinamento mais apurado, com quase outro tanto de horas para atuação nos Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania em Direito de Família.

O DF registra índice considerável de novos casos, quando comparado a outros tribunais. Quando as partes chegam ao judiciário, em geral, demonstram pré-disposição à realização de acordos ou não?
Não. Estamos ainda no início de um processo de educação da sociedade, para mudar essa mentalidade geral de judicialização de todos os conflitos e da busca de solução por um terceiro imparcial - o juiz. Aquela questão de ''entrar na justiça”, como se diz popularmente, ainda prevalece, mas elas são habilmente conduzidas e por meio de uma atividade educativa que estamos começando nas escolas até, estamos induzindo a busca de soluções construídas por elas próprias dentro dos seus limites e possibilidades para os conflitos. Isso empodera a sociedade civil e cessa essa tendência a esperar que o governo faça tudo. Cada vez mais os órgãos oficiais vão se demonstrando insuficientes, com recursos escassos para tanta demanda de solução de litígio. O tempo envolvido nesse processo adversarial também é enorme! Há conflitos em que se revela mais adequada a mediação e conciliação e há outros em que não há jeito e se vai mesmo para o processo adversarial - isso é o que se vai ver caso a caso. Mas ainda está por ser disseminada e implantada essa mentalidade de busca de solução negociada, que infelizmente não se nota como tônica dominante.

Grande parte das pessoas desconhecem que os métodos autocompositivos podem ser usados nas diferentes fases processuais, não é isso?
Sim, são muitas as oportunidades de tentativa de utilização de métodos autocompositivos. Aliás, o antigo Código de Processo Civil, o de 73, no seu artigo 125, já inseria dentre os deveres do juiz o de tentar a qualquer tempo conciliar as partes. Mas vamos enfatizar a possibilidade da busca nos nossos serviços de solução de conflitos nos CEJUSCs pré processuais. Então, antes do litígio, [a ação] sai mais barata para as partes. Elas têm condições de encontrarem as soluções que melhor possam satisfazer seus interesses, desde que se tenha direitos disponíveis. Nada impede, inclusive em algumas hipóteses, de pleitear até mesmo sem assistência de advogado para situações de menor porte. Isso é plenamente aceitável, a fim de que realmente causas importantes e interessantes sejam encaminhadas a profissionais e assim possam encontrar uma solução em processo adversarial, que costuma ser longo.

Além da fase pré processual, a deflagração do processo pela citação do réu, e antes da oportunidade da condenação, já enseja aquela audiência a ser designada com antecedência mínima de 30 dias, e o réu tendo que ser citado com antecedência mínima de 20 dias, sendo que o não comparecimento à audiência é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça, sancionado até com multa. Então temos isso na fase inicial e também no curso da instrução, como já dizia o antigo Código, a qualquer tempo.

Agora estamos desenvolvendo nosso CEJUSC de segundo grau, nas fases recursais. Porque depois dos recursos aqui no nosso Tribunal, que não tem tanta tardança como se verifica em muitos outros no cenário nacional, temos outras esferas de recursos e vai se afunilando cada vez mais a possibilidade de solução em tempo razoável. Imagine o Superior Tribunal de Justiça só com 33 ministros, o Supremo só com 11 ministros! É um funil espetacular que pode fazer um processo se arrastar por décadas! Então as partes já começam a divisar vantagem no encaminhamento de composição amigável, mesmo já havendo um vencedor e um vencido, e estando o processo em fase recursal. Ressalte-se que o  nosso CEJUSC de segundo grau está firme e atuante, cada vez recebendo mais causas para tentar a conciliação.

O que uma pessoa que tem uma demanda no judiciário ou que tem um conflito ainda não judicializado e quer resolvê-lo de forma consensual pode fazer? 
Em primeiro lugar, pode procurar os nossos CEJUSCs. Temos 22 CEJUSCs disseminados em todas as circunscrições judiciárias. Não temos de todos os tipos, mas há encaminhamentos adequados. Então esses centros judiciários de solução de cidadania estão todos os dias ao alcance do cidadão. Essa é a nossa principal temática na Semana Nacional da Conciliação: conciliação todo dia perto de você. Busquem o Tribunal, que vão ser encaminhados aos CEJUSCs e terão todos os esclarecimentos necessários para o encaminhamento, seja em fase pré-processual dos litígios, no  curso do processo ou mesmo na fase recursal. Peticionem e provoquem a justiça. Ela vai responder adequadamente com o encaminhamento necessário.