"Minha maior preocupação neste momento é dar condições aos magistrados e servidores de exercerem suas funções"

Presidente do TJDFT, Desembargador Romeu Gonzaga Neiva
por AB — publicado 2020-05-26T14:45:00-03:00

romeu Gonzaga Neiva.jpegO atual Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, desembargador Romeu Gonzaga Neiva, tomou posse em 22 de abril de 2020, em solenidade transmitida por videoconferência, como medida preventiva diante da pandemia da Covid-19. Mineiro com muito orgulho, ingressou na magistratura do DF há 22 anos, proveniente do quinto constitucional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Caseiro e declarando-se pessoa muito simples, conduzirá a Justiça do Distrito Federal no biênio 2020-2022, ladeado pela força de três mulheres. Nesta entrevista, o desembargador revela sua confiança nos magistrados e servidores da instituição, mostra orgulho por presidir um “Tribunal de vanguarda” e demonstra tranquilidade para enfrentar os desafios vindouros e aguardar o tempo das coisas.

 

Presidente, o senhor estará no comando do TJDFT pelos próximos dois anos e começou sua gestão num cenário bem atípico. Qual será a prioridade da sua administração diante dos novos desafios que terá que enfrentar?

Pois é, iniciamos a gestão já com uma situação inusitada. Aliás, estamos completando um mês na Presidência e eu praticamente não tomei posse no meu gabinete físico, porque eu fui lá apenas uma ou duas vezes e com aconselhamento médico – pois sou do grupo de risco. Ainda bem que nós estamos usufruindo dessa forma remota de comunicação, mas o abatimento da Covid, que veio como um vendaval na vida de todos nós, mudando o cotidiano, mudando a forma com que a gente, no dia a dia, se desincumbe das funções, não será e nem pode ser um fator que vai atrapalhar as nossas funções. Enfrentaremos todas as obrigações do cargo, com todas as vicissitudes que o cargo exige, como se nada tivesse acontecendo, do ponto de vista da vontade de fazer as coisas. Pra isso, eu tenho certeza que conto com a participação e com a mesma ideia das três colegas que dividem comigo a administração do Tribunal, desembargadoras Ana Maria, Sandra De Santis e Carmelita do Brasil, e os servidores que estão TODOS ao nosso lado pra nos socorrer naquilo que for necessário para o desempenho das nossas funções. Então, minha maior preocupação neste momento é dar condições aos magistrados e aos servidores de exercerem as suas funções.

O senhor já exerceu cargos de gestão tanto na administração do TJDFT como no TRE/DF. Esse conhecimento e experiência adquiridos contribuem para enfrentar esses novos desafios com um pouco mais de tranquilidade?

É verdade. Quando eu assumi o primeiro cargo de administração, na direção do Tribunal, foi na Segunda Vice. Era um cargo mais ou menos novo, mas foi um aprendizado excepcional! Todos que trabalharam comigo sempre me ouviram dizer que nós estávamos agregando conhecimento e valores para que, se fosse o caso, no futuro, de assumir outras funções, já teríamos um ganho de aprendizado. E foi o que realmente aconteceu. Passei pela Corregedoria de Justiça e naquela oportunidade iniciei um contato administrativo maior com a desembargadora Carmelita Brasil. Uma pessoa a quem tenho muito respeito, tanto do ponto de vista pessoal quanto profissional, e penso que junto com os outros integrantes daquela administração, desembargador Getúlio [de Moraes] e desembargador Valdir [Leôncio ...], formamos um quadro em que desempenhamos bem as funções perante o Tribunal. E quis o destino que logo em seguida eu assumisse a presidência do TRE juntamente com a desembargadora Carmelita, e mais uma vez o destino me permitiu ter essa facilidade de, junto com ela, fazermos uma administração boa para o TRE. Eu digo boa porque as pessoas lá do TRE afirmam isso. Então todo esse caminhar nos vários órgãos a que me referi representam um ganho de conhecimento e de experiência, o que me permite agora, à frente da Presidência, embora com sobressaltos iniciais, atuar com toda tranquilidade, sem descurar da grande responsabilidade que é presidir um Tribunal do naipe, da categoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o que realmente é uma responsabilidade muito grande.

Nesses últimos meses os dados relativos à produtividade do Tribunal, tanto o número de decisões quanto de atos praticados pelos servidores, tem revelado esse empenho que a Casa tem apresentado em prol do jurisdicionado. Que leitura o senhor faz desses dados?

Foi muito bom você se referir à questão da produtividade porque, nos primeiros dias, com a necessidade de isolamento social, a forma presencial de cumprir as obrigações, pra nós todos, ficou comprometida. E aí chegamos a pensar que, com a nova forma remota que estamos usando, poderia haver um decréscimo ou uma dificuldade no desempenho das funções. Mas o tempo mostrou o contrário. Eu tenho muita satisfação em afirmar que pelos levantamentos e dados que ora dispomos, por meio do teletrabalho tanto de magistrados quanto de servidores, a produção da Justiça do Distrito Federal, em vez de decrescer, aumentou. Aumentou em termos de quantidade, segundo algumas informações de advogados e até partes, e melhorou inclusive na forma de se lidar com a Justiça. Porque alguns chegam a dizer que as coisas estão saindo mais rapidamente, e outros têm me dito que até sem precisar ir ao Tribunal estão resolvendo com mais comodidade seu problema, o que demonstra a capacidade, o empenho, a boa vontade e a responsabilidade de todos da Justiça do Distrito Federal.

A esse respeito, dados apontam que nos últimos dois meses (de 16 de março a 17 de maio) o TJDFT proferiu 50.568 decisões, entre sentenças e acórdãos, 90.329 despachos, e 3.159.620 atos cumpridos por servidores. Isso demonstra realmente que a Justiça do DF segue trabalhando, não é?

Pois é, esta é a prova do que eu disse antes. Isso me tranquiliza muito e de certa forma até me envaidece, pois o que afirmei antes e os dados que você traz corroboram tudo isso. E agora a certeza maior: Não é qualquer imponderável, qualquer pandemia, que vai atrapalhar a Justiça do Distrito Federal! Não, com toda certeza, com ou sem pandemia, estaremos sempre indo adiante, crescendo e levando sempre e cada vez mais a Justiça do Distrito Federal, o que finalmente resulta em ganho para quem realmente necessita e usufrui da Justiça, a serviço de quem nós todos estamos, que é o cidadão brasiliense, que é o nosso jurisdicionado.

Para que a gente conseguisse chegar a esses números concorreu também o fato de o TJDFT ter digitalizado praticamente 100% do seu acervo (95,95%). Esse trabalho que foi realizado principalmente nos últimos anos permitiu que hoje nós pudéssemos realizar esse serviço a distância. O que mais o cidadão pode esperar da Justiça do DF em termos tecnológicos?

Em termos tecnológicos, o cidadão pode ter certeza que nós estamos em um caminho sem volta. Um caminho para a frente, no desempenho da Justiça do Distrito Federal. Como você afirmou, temos agora poucos processos, os últimos, para serem digitados e eu tenho a impressão que daqui até o final do ano (é claro que poderá ser antes) não vou dizer que o papel será uma grata lembrança dos tempos da nossa Justiça, pois o papel físico sempre existirá. Mas a prática, o trabalho do dia a dia, cada vez mais se distanciará daquele manuseio tradicional, trabalhoso, às vezes até ofensivo à saúde de quem trabalha, que é aquele calhamaço de processos. Mas com certeza aos poucos isso fará parte da história. Uma bela história, porque apesar de tudo isso, sempre estivemos na vanguarda dos Tribunais de Justiça desse Brasil.

E a nossa projeção: agilizar ainda mais o alcance dessa transformação. Os vários órgãos, as várias comissões, os comitês de TI, encarregados de desenvolver por meio da inteligência artificial, todos estão trabalhando diuturnamente, mesmo nesse período em que estamos afastados. Aliás, esse período é até propício, porque estamos, realmente, usando o futuro, o século 21. Estão todos empenhados e eu creio que no correr deste ano nós alcançaremos um avanço muito grande, que talvez irá até surpreender a muitos.

O Tribunal publicou recentemente a Portaria Conjunta 52, que regulamenta a realização das audiências e sessões telepresenciais, e está se estruturando para ampla adesão a esse formato. Essa é uma das novidades que o jurisdicionado pode esperar em termos de tecnologia?

É, essa é uma delas. É um dos caminhos que certamente vamos viabilizar para que o nosso Tribunal fique na vanguarda dos demais. Nós somos sempre demandados pelo CNJ, até porque estamos próximos. Eu sempre brinco que basta atravessar a rua e o CNJ está dentro do nosso Tribunal, o que é muito bom, porque permite que eles estejam sempre vendo o que estamos fazendo e permite ter um acompanhamento maior e melhor das nossas ações. E dentro da demanda do CNJ, nós estamos desenvolvendo pelo menos dois ou três projetos relativos ao exercício do magistratura, das audiências, das sessões de julgamento, enfim, do dia a dia da entrega da prestação judicial.

O senhor comentou que esse é um caminho sem volta e, sem dúvidas, ele gera muitos impactos, muitas alterações de comportamento e também na forma de trabalho. Em relação aos recursos humanos do Tribunal, esta Administração terá um olhar diferenciado para esse ativo tão precioso?

Olha, sem querer criticar as administrações anteriores – longe disso, nós só temos é que cumprimentar a todos, porque todos tiveram seu tempo, seu ambiente, pelo bem do Tribunal – mas do ponto de vista da gestão de pessoas, o RH é uma das vertentes em que mais queremos implementar. É dotar os órgãos de gestão de pessoal de todas as ferramentas, de todos os elementos, de todas as condições para que melhore cada vez mais as condições e o tratamento ao servidor, até para reconhecer a excelência do nosso quadro funcional.

No tocante a esse tema, no momento atual há muita preocupação com a saúde e com os recursos que destinamos a ela. Quanto ao plano de assistência médica oferecido pelo Tribunal, o que os beneficiários podem esperar dos rumos do Pró-Saúde?

Sem que isso indique desapreço por aqueles que já estavam trabalhando por isso, a nossa visão em relação ao Pró-Saúde é reconhecer que temos problemas, temos dificuldades e que temos que enfrentá-los de frente. Nós falamos aqui em experiência de exercícios passados e, quando nós estivemos à frente do TRE, também lá o plano de saúde estava com problemas. Os servidores, a doutora Lídia, o Edvaldo, a desembargadora Carmelita junto com a sua equipe foram me ajudar e no final nós entregamos o plano de saúde do TRE em boas condições de higidez e atendendo a todos dentro das nossas condições. É a mesma coisa que acontece no Pró Saúde: nós já mapeamos os problemas, já avaliamos as necessidades, e, nesse momento em que todos estamos preocupados com os problemas com os gastos individuais – e o Pro Saúde, é verdade, está ficando pesado – já temos certo que vamos fazer um estudo atuarial para que, no final, a decisão que tomarmos para a melhoria do Pró-Saúde seja uma decisão definitiva, não seja uma coisa que no futuro seja preciso começar tudo de novo.

Só para dar um exemplo de que estamos focados: nós fizemos, nesses dias, um aporte no valor de 10 milhões de reais pra que o Pró-Saúde possa se socorrer e tentar diminuir as angústias que todos nós estamos passando. Então o que quero dizer aos usuários do Pró-Saúde é que a nossa administração está, sim, preocupada de verdade e mobilizada nesse sentido.

Em relação a questão orçamentária, a gente sabe que quando a gestão inicia já tem um planejamento e já conhece os recursos dos quais dispõe. E aí fomos colhidos por essa situação da pandemia. Esse cenário teve impacto incisivo na forma como estava prevista a execução orçamentária no TJ?

Não tenha dúvida que sim. E acho que podemos nos preparar, pois ainda haverão mais impactos, porque as coisas estão caminhando, com todo mundo, inclusive a administração do país, tentando cumprir sua obrigação e vencer. Mas nós não devemos nos enganar: outros embates virão, além daqueles que já aconteceram. Por exemplo, na questão de contratação de pessoal, de magistrado, o orçamento não prevê essa ação este ano. E as dificuldades pra gente administrar as atividades, elas só se agigantam. Mas não podemos nos deixar abater diante disso. Devemos procurar soluções para vencermos os desafios e tentar compor um orçamento para o ano que vem. É um momento de se reinventar e a criatividade é o principal elemento para agir nesse momento.

Para finalizar, todos sabemos que o senhor ostenta uma carreira jurídica sólida e diversificada, com atuação na advocacia, no Ministério Público e no Judiciário, onde é desembargador do TJDFT desde 1998. Mas quem é o senhor Romeu Gonzaga Neiva, sem a toga?

Eu sou uma pessoa muito simples, avesso a badalações e coisas desse nível. Eu sempre tive uma vida simples, até porque, eu sou mineiro do interior, embora o nosso interior é logo ali depois da divisa, pois, como todo mundo sabe, eu nasci em Unaí. Alguns gostam de dizer de onde veio, eu faço QUESTÃO de dizer de onde eu vim, da minha cidade, de onde eu tenho o pensamento todo dia, com minha família toda lá, meus familiares, irmãos, parentes. Sou de família muito pobre, onde todos tiveram que, desde o começo, ralar muito, trabalhar muito para alcançar os objetivos. Meus avós e meus pais sempre nos incutiram, a mim e aos meus irmãos, um ideal de que teríamos que, a cada geração, melhorar mais. E a gente tem conseguido, uns mais, outros menos, mas conseguido de uma forma que se apresenta para nós. Eu tive a sorte de começar a trabalhar muito cedo e meu emprego foi num cartório, lá em Unaí. Eu tinha 14 anos, fui trabalhar e já estudava. Naquela época era chique aprender datilografia. Aprendi. Tem gente que nem sabe o que é datilografia: era um computador grande e pesado, mas que não tinha eletricidade nele. Mas aprendi e isso me ajudou a me fixar nessa linha de trabalho, do cartório. Cidade pequenininha, quando precisava eu ia lá pro fórum ajudar o juiz, que, às vezes, nem máquina de escrever tinha. E com isso fui aprendendo a gostar da Justiça, como um todo. Tive contato com juízes, advogados, promotores, tabeliães, servidores – eu era um servidor. E fui traçando esse meu alinhavo para o futuro.

Cheguei onde cheguei graças, inclusive, à força de várias pessoas ao meu lado. Eu costumo brincar que o Senhor é muito bom para comigo, pois me coloca sempre no meio de pessoas boas. Quem está no meio de pessoas boas, não tem como não aferir coisa boa pra sua vida pessoal. E isso aconteceu comigo, dentro do meu casamento, inclusive, com a Sandra. Nós nos conhecemos no primeiro dia de aula na faculdade. Sentamos próximos um do outro, ficamos nos conhecendo ali. Terminamos a faculdade, fomos advogar lá em Unaí, com aquela velha história de “ah, vamos ganhar dinheiro como advogado!” Mas a vida, como ela se apresenta no dia a dia, não tinha nada daquilo. Então, chegamos à conclusão de que o melhor era virmos para Brasília. Eu já tinha vindo morar aqui para estudar, quando terminei o curso ginasial, em 1965. Estudei no Elefante Branco, fui servidor da Novacap... depois a minha vida foi se desenvolver em outros lugares. Me formei em Belo Horizonte e retornei, então, nos anos 80, quando fizemos o concurso para o Ministério Público e assumi como promotor. Ali desenvolvi todos os cargos que me eram apresentados, fiz boas e grandes amizades, participei da administração, cheguei a ser Vice-Procurador-Geral na época, quando, então, surgiu a oportunidade e fui escolhido para ter o acesso ao Tribunal de Justiça, onde já estou a 22 anos. E é a minha diversão. Não gosto de tirar férias. Sinceramente, depois de uma ou duas semanas eu já fico com vontade de voltar pro Tribunal, porque o gabinete é o meu lugar. Morro de saudade dele. Por isso é que não aposentei quando podia, pelo tempo de serviço. E foi a melhor coisa que eu fiz, porque eu acho que quando você tem disponibilidade e condição, você deve sim continuar a seguir o labor, a ser útil para todo mundo. Agora já estou começando a me preocupar com o futuro que está vindo aí e vou ter que sair, vou ter que me aposentar (o desembargador tem 72 anos). Mas isso vou deixar para depois, afinal, eu tenho uma característica: eu não sofro por antecipação.