"O Judiciário não pode atuar de forma paternalista, mas como facilitador da paz social"

2ª Vice-Presidente do TJDFT, Desembargadora Sandra De Santis
por ACS — publicado 2021-03-13T17:50:00-03:00

Foto da Desembargadora Sandra De SantisDesempenhando atualmente o cargo de 2ª Vice-Presidente do TJDFT, a Desembargadora Sandra De Santis Mendes de Farias Mello já esteve à frente da 1ª Vice-Presidência do Tribunal, na gestão 2018-2020, e conhece bem os desafios e alegrias de atuar na administração do Judiciário da Capital Federal. Carioca condecorada com a medalha-prêmio de 50 anos de serviço público, sempre prestados com muito zelo e dedicação, ela fala nessa entrevista sobre o novo modelo de trabalho a distância, o resgate à memória institucional nos 60 anos do TJDFT e da sua paixão pela área criminal, entre outros assuntos.   

A prevenção e resolução de conflitos da mulher em situação de violência doméstica é tema que tem sido amplamente debatido e é uma das grandes demandas atuais da sociedade. Quais ações podem ser adotadas pelo Judiciário para contribuir ainda mais com as medidas de combate à violência de gênero? 

Este é um dos grandes dramas que a nossa sociedade vivencia, e deve atrair a atenção das autoridades públicas, pois a violência doméstica está disseminada - algo que testemunhei em anos, como Juíza criminal. Dentro das competências da 2ª Vice-Presidência do TJDFT, o Núcleo Judiciário da Mulher desenvolve uma das ações mais importantes, pois busca concentrar esforços para combater a violência familiar e de gênero, criar projetos e parcerias. Trabalha em três eixos de atuação: judiciário, comunitário e policial. O eixo judiciário busca aprimorar a estrutura dos juizados especializados do TJDFT, por meio de programas de capacitação e de reconhecimento de servidores. No eixo comunitário, o foco é a conscientização da sociedade; dos autores da violência doméstica, para criar uma reflexão e um mudança de comportamento; e das próprias vítimas, para criar uma rede de apoio às mulheres que tenham seus direitos ameaçados. Nessa linha de atuação buscamos prevenir com o melhor remédio, a educação, por meio do Programa Maria da Penha vai à Escola. Promovido em parceria com a Secretaria de Educação e outras instituições, esse programa traz a reflexão a meninos e meninas para criar uma relação de igualdade, sem violência. E no eixo policial, temos parceria com a segurança pública, para garantir o acionamento rápido de viaturas para o socorro das vítimas e para oferecer equipes especializadas que realizem visitas periódicas a essas famílias em risco.

A 2ª Vice-Presidência é responsável também pelas ações de conciliação e mediação de conflitos. Por serem considerados hoje como métodos de fundamental importância para o judiciário brasileiro, o que o cidadão pode esperar da sua gestão nesse sentido? 

A conciliação e a mediação de conflitos são o futuro do Judiciário, porque dão às partes as ferramentas de diálogo e da negociação para serem capazes de solucionar as próprias questões, com a utilização de técnicas específicas para esse fim. Com o crescimento da população e o aumento do volume de processos, o Judiciário não pode atuar de forma paternalista, mas como facilitador da paz social, promovida pelos próprios cidadãos. Cabe ao Tribunal auxiliar as partes a resolver conflitos por meio de serviços especializados. Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUSCs estão presentes nas cidades do Distrito Federal e promovem serviço de conciliação e de mediação de qualidade. Pela internet, a parte, antes do ajuizamento da ação, pode procurar a ajuda pelo Canal Conciliar, um serviço gratuito, onde apresenta o seu pedido de atendimento pelos CEJUSCs e fornece um relato breve da contenda que possui com a outra pessoa. Friso que, em razão da pandemia, os atendimentos são realizados, salvo raras exceções, por meio virtual, a fim de preservar as partes do risco de se encontrarem em ambiente fechado. No âmbito social, a Justiça Comunitária estimula a cidadania e a participação bem como a articulação e a solução de problemas dentro da comunidade. Todas as iniciativas buscam a eficiência através do constante aprimoramento e de parcerias com a Defensoria, o Ministério Público, a OAB, as delegacias e o governo local.

Ano passado, foram realizados mais de 26 mil acordos em conciliações, no formato virtual, devido à pandemia do coronavírus. Há planos de explorar ainda mais o uso da tecnologia e dos recursos de acesso remoto?  

A pandemia representou – e representa – um enorme desafio para todos nós, mas também foi uma oportunidade de melhorarmos os serviços a distância. As audiências de conciliação e de mediação por videoconferência expandiram-se enormemente e são ferramentas que certamente continuarão a ser empregadas com o fim do distanciamento social, pois possuem vantagens, como permitir a participação de pessoas com dificuldade de locomoção e que moram em lugares distantes. Recentemente, a 2ª Vice-Presidência instalou o Pool de Conciliação, método de trabalho que permite que profissionais de uma circunscrição sejam imediatamente alocados para atuar em outra unidade do Distrito Federal, o que permite a gestão inteligente de recursos humanos e a colaboração entre os servidores, no caso de aumento da demanda. Cabe frisar o êxito do Mutirão de Família, onde casos de diversas cidades do DF foram tratados pela equipe de conciliadores, com excelentes resultados. E tudo por videoconferência. A iniciativa deu tão certo que inspirou a reestruturação do Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação – NUPEMEC, com a criação de seis Núcleos Virtuais e uma Central de Apoio e redistribuição de pessoal nos CEJUSCs, para que as audiências a distância sejam tratadas como regra, e não mais exceção.

Ainda neste contexto da pandemia, quais outros desafios vêm sendo enfrentados pelo Judiciário local e, mais especificamente, pela 2a. Vice-Presidência? 

O novo coronavírus e todos os cuidados que ele exige nos forçou a repensar métodos e ferramentas para nos adaptar ao distanciamento social. Para o êxito dos projetos, mostra-se premente a formação de novos conciliadores e mediadores, que passou a ser totalmente por meio virtual, com resultados positivos que surpreenderam a todos. Áreas que pareciam ser mais problemáticas nesse contexto, como a Central Judicial do Idoso, conseguiram manter a qualidade de atendimento e até expandir os trabalhos. A educação, aliás, é prioridade da 2ª Vice-Presidência. Mesmo com todas as dificuldades do isolamento social, realizamos cursos de capacitação para mediadores e conciliadores que, em 2020, formaram 536 servidores e estagiários; e conseguimos retomar os cursos para mediadores de família, área que necessita de mais profissionais, com duas turmas que começam em 16 de março e 3 de agosto. Além disso, no início deste ano, promovemos a capacitação em mediação de servidores aposentados, com a participação de 30 pessoas. As técnicas de conciliação e de mediação são o diálogo e a autogestão dos conflitos, um aprendizado muito importante, especialmente no contexto da pandemia.

A despeito das dificuldades, os projetos avançam. Recentemente o TJDFT implementou o Programa Clínicas Financeiras Virtuais, numa parceria com o Instituto SICOOB. Do que se trata essa iniciativa e como vai beneficiar o cidadão? 

A democratização do acesso ao crédito, sem a difusão da educação e da gestão financeira, aumentou o endividamento do brasileiro, ao ponto de inúmeras famílias terem os proventos comprometidos por débitos muitas vezes impagáveis. As Clínicas Financeiras Virtuais, criadas em parceria com o Instituto SICOOB para o Desenvolvimento Sustentável, são uma iniciativa para orientar os cidadãos sobre orçamento, endividamento, investimentos e outros assuntos. Por meio de oficinas oferecidas on-line, as Clínicas realizam atendimento individual por voluntários experientes e qualificados pelo SICOOB, com o objetivo de aprimorar a relação do consumidor com as próprias finanças, com a esperança de ter reflexos positivos nas vidas das famílias e da sociedade.

Como 1ª Vice-Presidente do Tribunal, na gestão passada, a senhora coordenou as ações comemorativas dos 60 anos do TJDFT. Como foi essa experiência e de que forma ela contribui para aproximar o Judiciário da sociedade?  

Foi uma experiência única. Elaboramos eventos, vídeos, entrevistas com magistrados e servidores, um livro comemorativo e uma exposição de arte, dentre outros projetos. As ações comemorativas buscaram resgatar os últimos dez anos de história do Tribunal. Tive contato com vários servidores e juízes de talento, que não teria conhecido não fosse por esse trabalho. Um evento muito especial foi a exposição do acervo de arte do TJDFT, que começou a ser adquirido em 1961 com o primeiro Presidente do Tribunal, Desembargador Hugo Auler. O Tribunal reúne obras de grandes artistas nacionais e internacionais, como Di Cavalcanti, Athos Bulcão e Rubem Valentim. É uma coleção rica e pouco conhecida. Foi um prazer compartilhá-la com o grande público.

A senhora atuou na área criminal durante muitos anos, inclusive no Tribunal do Júri, seara na qual o TJDFT tem se destacado nacionalmente, em termos de desempenho. Qual o segredo para conduzir uma Vara tão desafiadora com resultados tão positivos? 

Eu sempre fui apaixonada pelo Júri e tenho muita saudade. Fico orgulhosa ao saber que os Tribunais do Júri de Samambaia e de Brasília conquistaram os primeiros lugares no ranking de desempenho do Conselho Nacional de Justiça. Não tem segredo. O Júri exige muito trabalho e um conhecimento profundo do processo. E responsabilidade, porque os crimes contra a vida atingem o bem jurídico mais importante. Muitas vezes ficávamos até tarde da noite em longos julgamentos e em audiências, mas é apaixonante. Quando você gosta do que faz e se empenha, com criatividade, realiza um bom trabalho. Por isso fico muito feliz em saber que os colegas estão cuidando muito bem do Júri.

A senhora recebeu a medalha de 50 anos de serviço público e, este ano, completa 35 anos de atuação no TJDFT. O que destacaria nessa trajetória? O que teria a dizer aos jovens que querem seguir carreira jurídica?  

Acho que o mais importante é entendermos que magistrados e servidores não estão acima das partes, pelo contrário, estamos aqui para servi-las. Sempre me preocupei em exercer essa função com dedicação e cuidado, mantendo a atenção na simplicidade da linguagem, para que todos possam ler e entender os atos do processo. Aos jovens que querem seguir a carreira, tenho o mesmo conselho que dou a todos os meus servidores, que é: estudem, estudem, estudem. O aperfeiçoamento não para quando se passa em concurso público, pois temos que nos atualizar sempre. A lei e a ciência jurídica continuam sempre em evolução e, como vimos neste último ano, o mundo não para de mudar. A educação e o estudo constantes são a chave para a formação de um bom profissional, não importa em que área atue.