Juíza mantém preço diferenciado de ingresso, mas aponta ilegalidade na forma de cobrança

por AJ — publicado 2017-06-16T18:55:00-03:00

A juíza substituta do CEJUSC/Brasília negou pedido liminar, em tutela de urgência, feito por um consumidor contra a R2 Produções. O autor exigia o direito de pagar o mesmo valor do ingresso feminino, inferior ao valor do ingresso masculino, em evento promovido pela parte ré. A juíza negou o pedido formulado. Segundo a decisão, não se demonstra o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo que justificasse a urgência alegada pela parte: "não chega a impor que não se possa aguardar a realização da audiência de conciliação e, se for o caso, o contraditório e a instrução processual (...) momento em que será possível avaliar planilhas de custos, margem de lucro e demais questões relacionadas à política de preços, de forma a adequá-la à legislação consumerista". 

No entanto a magistrada ressaltou que “a diferenciação de preço com base exclusivamente no gênero do consumidor não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio”. “Em que pese a flagrante ilegalidade da cobrança discriminatória, não é possível estabelecer, em sede de liminar, o valor para cobrança dos ingressos de todos os consumidores”, ponderou a magistrada. Assim, na análise do caso, a juíza apontou as irregularidades na cobrança diferenciada promovida pela parte ré, lembrando que o Código de Defesa do Consumidor é bastante claro ao estabelecer o direito à igualdade nas contratações, como também prevê a nulidade de cláusulas discriminatórias: “Incontroverso que as pessoas são livres para contratarem, mas essa autonomia da vontade não pode servir de escudo para justificar práticas abusivas. Não se trata de um salvo conduto para o estabelecimento de quaisquer critérios para a diferenciação de preços. Com base nesse raciocínio, não é possível cobrar mais caro de um idoso ou de estrangeiros, por exemplo. Nessas situações o abuso seria flagrante e sequer haveria maiores discussões.”

“Ocorre que no caso das mulheres a situação é ainda mais delicada, já que uma prática repetida há tanto tempo pode traduzir uma (falsa) aparência de regularidade, de conformidade. No entanto, felizmente, o tempo não tem o condão de convalidar nulidades de tal porte. Não é ‘porque sempre foi assim’ que a prática discriminatória haverá de receber a chancela do Poder Judiciário, pois o mau costume não é fonte do direito. De forma alguma", acrescentou a magistrada.

“Fato é que não pode o empresário-fornecedor usar a mulher como ‘insumo’ para a atividade econômica, servindo como ‘isca’ para atrair clientes do sexo masculino para seu estabelecimento. Admitir-se tal prática afronta, de per si, a dignidade das mulheres, ainda que de forma sutil, velada. Essa intenção oculta, que pode travestir-se de pseudo-homenagem, prestígio ou privilégio, evidentemente, não se consubstancia em justa causa para o discrímen. Pelo contrário, ter-se-á ato ilícito.”

Foi encaminhada cópia dos autos para a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor para a apuração de prática abusiva e, se for o caso, promoção da ação coletiva.

Processo Judicial eletrônico (PJe): 0718852-21.2017.8.07.0016