Juiz condena réu e afasta tese de que também a vítima tem o direito de permanecer calada

por BEA/AB — publicado 2018-09-28T13:55:00-03:00

O juiz titular da Vara Criminal de Sobradinho julgou procedente denúncia oferecida pelo Ministério Público do DF contra Rolland Handel Silva, condenando-o pela prática da contravenção penal de perturbação da tranquilidade (artigo 65 do Decreto-Lei 3688/41), e afastando a tese levantada pela defesa quanto ao direito de a vítima permanecer em silêncio.

Consta da denúncia que o réu, que estava em busca de sua esposa, teria ido até a casa de sua própria mãe, por volta das 23h40, e passou a importuná-la, questionando sobre o paradeiro de sua cônjuge, batendo no portão da casa com sua motocicleta por mais de 30 minutos. Sem sucesso, teria se dirigido à casa de seu cunhado, local no qual passou a raspar janelas e portas, munido de uma barra de ferro, e exigir seu ingresso na residência. Em razão de não ter sido autorizado a entrar na casa, teria danificado o relógio de água e instalações elétricas, além de proferir xingamentos e fazer barulho que incomodaram a vizinhança por mais de meia hora.  

Na audiência de instrução e julgamento, procedeu-se à oitiva das vítimas e deixou-se de interrogar o acusado, que exerceu o direito de permanecer em silêncio.

Na fase de alegações finais, contudo, a defesa arguiu, entre outros, a nulidade processual por cerceio ao direito de defesa, na medida em que não se oportunizou à vítima prerrogativa ao silêncio. Ao final, requereu declaração de incompetência do juízo (afirmando, em tese, que a suposta conduta atribuída ao réu envolve relação de gênero, com violência no âmbito doméstico e familiar), com nulificação dos atos processuais, bem como pelo reconhecimento de cérceo de direito da defesa e, não sendo este o entendimento, pela absolvição do acusado nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Firmada a competência do juízo criminal, o juiz sentenciante registrou: "A questão apresentada pela Defesa, em verdade, não se direciona à eventual ofensa ao exercício do direito à defesa e ao contraditório, mas de eventual reconhecimento à vítima do direito de permanecer em silêncio. Tal prerrogativa dirige-se àquele a quem é atribuída prática de infração e se faz pelo corolário de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si, enquadrando-se na principiologia externada pelo aforístico brocardo nemo tenetur se detegere. Perceba-se que o direito ao silêncio dirige-se, portanto, a quem for imputada a prática de infração, de sorte a não lhe permitir, por exemplo, o falseio da verdade, sob pena de incorrer em crime, como auto-acusação falsa, denunciação caluniosa, etc. Nesse contexto, ainda que se pondere a chamada vitimação, não tem o ofendido o direito ao silêncio nem sequer possibilidade do falso, porquanto se insere na qualidade de testemunha, podendo-se, inclusive, pelas circunstâncias do evento, ser-lhe tomado o compromisso legal. Tal iniciativa tem o claro propósito de contribuir para a própria Administração da Justiça, cabendo a testemunha apresentar os fatos por ela presenciados ou de que tivera conhecimento à autoridade judiciária e aos demais atores do processo, de modo a permitir acertamento de direitos e obrigações".

O magistrado seguiu explicando que a ocorrência do crime, bem como sua autoria, restaram comprovadas e, por fim, consignou: “No caso concreto, o acusado, em dias e frente a pessoas diferentes, no período de repouso, dirigiu-se, primeiramente, à residência da genitora, pessoa idosa, perturbando-lhe a tranquilidade, a ponto, inclusive, de ela acionar agentes de polícia, porque imaginava que sua ex-esposa estivesse no local, a qual deixou a morada do casal em razão de violência doméstica; e, posteriormente, foi à casa do cunhado, tirando-lhe a paz, fazendo barulho e danificando objetos, até que resolveu ir embora”.

Diante disso, condenou o acusado à pena de 1 mês e 10 dias de prisão simples em regime aberto, substituída por uma restritiva de direitos.

Da decisão, cabe recurso.

 

Processo: 2015.06.1.009198-8