Laboratório terá que indenizar paciente que perdeu parte da visão após uso de medicamento

por CS — publicado 2019-10-29T18:49:00-03:00

A juíza do 4º Juizado Especial Cível de Brasília condenou uma empresa de produtos químicos e farmacêuticos a indenizar por danos morais uma consumidora que sofreu um glaucoma bilateral, causado pelo uso do medicamento topiramato, fabricado pela ré.

Constam nos autos que a autora procurou um médico para tratar de uma enxaqueca e lhe foi prescrita 25mg do aludido remédio, para ser tomado uma vez ao dia, por três meses. Na ocasião, ela levou para casa uma amostra grátis do produto que é fabricado e comercializado pela ré.

No dia 10/11/18, oitavo dia de ingestão do medicamento, a paciente acordou de madrugada com enorme mal-estar e fortes dores de cabeça e nos olhos. A autora foi levada ao hospital, onde, por recomendação médica, permaneceu internada até ser avaliada por uma especialista em oftalmologia.

A médica integrante do quadro do hospital, ao realizar a análise clínica, informou que a paciente estava acometida por uma crise aguda de glaucoma secundário, com um processo inflamatório severo que havia removido toda a estrutura do olho do lugar. Além disso, tal processo infeccioso teria gerado a perda da visão da paciente. Segundo os laudos, a causa seria a utilização do remédio prescrito pelo primeiro médico e fabricado pela ré.

Os profissionais informaram que a espécie de glaucoma da qual a autora foi acometida é um efeito colateral, já conhecido no ramo da medicina, do referido medicamento e que não havia previsão de quando ela voltaria a enxergar. O tratamento começou logo em seguida, mas, meses após, a autora só conseguiu recuperar 60% da visão do olho esquerdo e 15 a 35% do olho direito, além de ambos os olhos terem sido acometidos por catarata e sinéquia secundária, outras duas doenças oftalmológicas.

Na tentativa de ter reparado os danos sofridos, a autora entrou em contato, via e-mail, com a ré, que informou por telefone que a empresa não tem política de reparação para esses casos. Em sua defesa, a empresa alega que a bula do remédio contém expressa indicação e advertência sobre os efeitos colaterais do produto; de que o concomitante uso de outros medicamentos potencialmente desencadeadores do quadro clínico da autora; da inexistência de defeito no produto; da contraindicação em caso de hipersensibilidade à carbamazepina e advertência sobre a Síndrome de Steven Johnson.

O laboratório destacou, por fim, que, caso reste comprovado que o produto tenha sido o real causador da doença, trata-se de risco natural, expressamente previsto e informado à autora. De outro lado, observou que o médico, ao prescrever um medicamento, deve ter conhecimento das respostas do organismo, de seu mecanismo de ação e com muita profundidade deve saber os efeitos colaterais indesejáveis.

Em resposta, a autora anexou artigo científico intitulado Glaucoma agudo bilateral em paciente jovem secundário ao uso de topiramato, datado de fevereiro de 2007, o qual demonstra que o medicamento é uma droga anticonvulsivante, que bloqueia os neurotransmissores (...). A publicação traz, ainda, que “uma síndrome caracterizada por miopia transitória e glaucoma agudo tem sido atribuída ao uso desta medicação. Os sinais e sintomas ocorrem tipicamente durante o primeiro mês de tratamento e incluem decréscimo na acuidade visual, dor ocular, estreitamento da câmara anterior, hiperemia e aumento da pressão intraocular”.

Na decisão, com destaque para os relatórios médicos apresentados pelos profissionais que acompanharam a autora, a juíza concluiu que os laudos são bastantes para comprovar que a aludida medicação causou grave dano à saúde e à integridade física e psicológica da autora, gerando inominável agravo. “É inadmissível que um medicamento que se proponha a tratar de dor de cabeça (cefaleia) ou enxaqueca venha a causar glaucoma agudo + hipotonia + efusão uveal, descolamento coróide secundário ao Topiramato”, acrescentou a julgadora.

Na avaliação da magistrada, ao contrário do que a empresa reclama em sua defesa, trata-se de um caso de defeito do produto, “e não risco natural, muito menos RAZOAVELMENTE previsto, eis que concretamente o fármaco gerou GRAVE DANO À SAÚDE DA AUTORA, parte vulnerável da relação de consumo”, destacou. Por fim, consolidou que o fato de o risco ser noticiado na bula do medicamento não exime a empresa ré da responsabilidade pelos danos causados à paciente-autora.

Diante de todo o exposto, a indenização foi fixada em R$ 15 mil a título de danos morais.

Cabe recurso da sentença.

PJe: 0737948-51.2019.8.07.0016