VIJ-DF fala sobre conquistas e desafios dos 30 anos do ECA

por DA - SECOM/VIJ/DF — publicado 2020-08-12T15:05:57-03:00

Fortalecimento do acolhimento institucional, entrega confidencial em adoção e protocolo para escuta protegida de crianças e adolescentes estão entre os ganhos ao longo dos 30 anos de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), comemorados no mês de julho. Neste período, legislações complementaram o trabalho do Estatuto beneficiando e aumentando os direitos do público infantojuvenil brasileiro.

“É muito importante ter esta visão do ECA, de que ele está em evolução constante e atendendo a criança quase que plenamente”, defende o assessor técnico da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ-DF), Eustáquio Coutinho. Servidores da Vara comentam algumas das conquistas obtidas e lembram desafios a serem superado. 

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Distanciamento e direitos

Eustáquio.PNGO assessor técnico da VIJ-DF lembra o cenário da pandemia de Covid-19 como uma questão atual. “O desafio começa com a restrição dos trabalhos presenciais, naturais no atendimento à criança e ao adolescente”, explica. A VIJ-DF adotou uma série de medidas para manter a prestação jurisdicional de forma remota em meio à pandemia – confira em matéria as ações da área de adoção. Nos casos em que isso não é possível, têm sido tomadas todas as medidas de segurança indicadas pelas autoridades sanitárias. “A criança e o adolescente não podem esperar, não podem ficar à própria sorte. Temos tomado todos os cuidados e atuado plenamente”, completa Eustáquio Coutinho.

Para resguardar os direitos no cenário de Covid-19, o servidor destaca o trabalho dos conselheiros tutelares e dos agentes de proteção da infância e juventude do DF. Além do papel institucional, Eustáquio reforça o papel da sociedade na proteção infantojuvenil. “É muito importante, ainda mais neste momento de pandemia, escutar a criança, ficar atento a palavras-chave. É melhor se precaver quando se vê a criança com queixas repetidas que deixar acontecer uma violência”, alerta. Veja como identificar possíveis situações de violência contra criança e adolescente e como denunciar.  

Entrega legal e combate à adoção à brasileira

Entre os ganhos dos 30 anos do ECA e das normatizações decorrentes do Estatuto está o combate à adoção à brasileira, quando a família biológica entrega a criança para outra pessoa sem os trâmites legais. Mesmo assim, Eustáquio fala da persistência de casos. “Temos combatido isso, trabalhado com apoio dos hospitais e incentivado denúncias. Não é justo com quem espera nas filas por longos anos”, afirma. No mês de julho, o cadastro de adoção do DF contava com 120 crianças e adolescentes. Em 2020, foram efetivadas 35 adoções até agora, sendo 22 durante a pandemia.

Do outro lado, 579 famílias esperam no cadastro de adoção. O desencontro entre o número de habilitados e de meninos e meninas cadastrados se dá, principalmente, pela diferença entre os perfis desejados e os existentes. Para buscar aproximar os dois lados, a realidade é apresentada durante o curso de habilitação das famílias e pelo projeto Em Busca de um Lar, criado em 2018 para incentivar a adoção fora do perfil.

A entrega em adoção à Justiça Infantojuvenil é uma possibilidade prevista pelo ECA, reforçada com a Lei 13.509/17, na qual foi assegurado o direito ao sigilo do ato e a possibilidade de a mãe ser titular de uma ação voluntária de extinção do poder familiar. No DF, a Lei Distrital 5.813/17 estabelece ainda que as unidades públicas e privadas de saúde devem afixar placas informativas, em locais de fácil visualização, explicando o direito.

Desde 2006, a VIJ-DF realiza de forma pioneira o Programa de Acompanhamento a Gestantes, um serviço de acolhimento e orientação às gestantes que não desejam ou têm dúvidas em assumir seus filhos. As mulheres  que procuram a Vara são atendidas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos com intuito de ajudá-las a fundamentar uma decisão com responsabilidade, respeitando sua individualidade e intimidade, sem pressões ou constrangimentos. Caso a genitora confirme sua intenção de entrega, a criança é colocada para adoção; caso  decida permanecer com a criança, pode ser encaminhada para atendimento em programas sociais que lhe darão apoio para criar o filho. Neste ano, doze gestantes foram atendidas pelo programa, sendo que cinco delas desistiram da entrega.

Escuta sem danos                                                        

Reginaldo.PNGProteger em sentido amplo implica também se preocupar com os efeitos sofridos por crianças e adolescentes após uma situação de violência. Ao escutá-los, busca-se chegar a informações que fundamentem uma decisão sobre os possíveis causadores dos danos sem lhes causar ainda mais sofrimento. Nesse intuito, foi lançado oficialmente, no último dia 15/7, o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense (PBEF), meio de facilitar a escuta protegida de crianças vítimas ou testemunhas de violência.

A testagem para validação do protocolo foi realizada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A pesquisa de adaptação e validação do PBEF contou com a consultoria científica do supervisor do Centro de Referência para Proteção Integral da Criança e do Adolescente em Situação de Violência Sexual (CEREVS), da VIJ-DF, Reginaldo Torres. O depoimento especial é uma realidade no TJDFT desde 2010, quando ainda era uma recomendação do CNJ. Saiba mais aqui.

Acolhimento fortalecido

A supervisora da Seção de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento de Entidades da VIJ-DF (SEFAE), Vânia Sibylla, lembra os incrementos normativos ao acolhimento institucional. “Algumas novas legislações procuram estimular que esses meninos e meninas fiquem cada vez menos na instituição de acolhimento e que a revisão desse tempo de estada da criança, da condição de retorno à família de origem ou do cadastro para adoção possa ser o menor possível”, explica ela. Pela Lei nº 12.010 de 2009, imediatamente após o acolhimento, a entidade responsável deve elaborar um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário. Segundo Vânia, isso evita que o jovem fique parado nas instituições.

Vania.png“Outra legislação importante é a que ampara e estimula o apadrinhamento afetivo para crianças e adolescentes com remota chance de voltar para a família ou de serem cadastrados para adoção”, explica Sibylla. Ela recorda ainda a implantação do serviço de Família Acolhedora no DF, no qual famílias voluntárias são selecionadas, capacitadas, cadastradas e acompanhadas para oferecer e garantir cuidados individualizados temporários a crianças de 0 a 6 anos. O serviço é fruto de parceria da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF com a Promotoria de Justiça do DF, a VIJ-DF e a ONG Aconchego. Atualmente há 18 famílias habilitadas e 22 acolhimentos no serviço, tendo o primeiro deles completado um ano em julho.

O DF conta hoje com 16 instituições de acolhimento, sendo 15 da sociedade civil e uma instituição pública, a Unidade de Acolhimento do GDF (UNAC), que possui três casas-lares e uma Central de Acolhimento. A Casa-Lar Abba Pai é a mais nova instituição de acolhimento do DF, responsável por abrir 20 vagas para crianças de 0 a 8 anos e 11 meses no mês de julho.

Neste contexto de acolhimento, Vânia Sibylla chama atenção para a necessidade de superação da defasagem entre a idade de meninos e meninas que ingressam no sistema de acolhimento e a idade escolar. “Essa é uma das coisas que mais nos chama atenção e nos angustia. Isso tem contribuído para que eles tenham maior dificuldade em ingressar no mercado de trabalho”, pontua. A servidora explica que o fato prejudica o estímulo ao primeiro emprego ou ao primeiro estágio aos 14 anos.

Atendimento diferenciado

Casadocarinho.jpeg“Em setembro de 2017, recebemos uma ligação da Vara da Infância com um convite. Perguntaram se tínhamos interesse em receber crianças com síndromes múltiplas. Na ocasião, não sabíamos bem o que eram crianças com síndromes múltiplas”, conta Ana Laura Mazzei, vice-presidente do Instituto do Carinho e do Lar Bezerra de Menezes.

A equipe do Lar Bezerra de Menezes foi confrontada com a realidade de crianças que não podiam deixar leitos de UTIs de hospitais públicos pela falta de uma família, ou por suas famílias não terem condições de oferecer os cuidados especiais de que necessitavam. “Tomamos coragem e recebemos duas crianças. Adaptamos um quarto para recebê-las e fizemos um teste por dois meses. Vimos que dava sim para receber essas crianças”, relata Mazzei.

Por serem crianças com necessidades específicas, pensaram uma casa dedicada a elas, contexto em que foi criado o Instituto do Carinho. A proposta é melhorar a qualidade de vida por meio dos cuidados diários e da interação com outras crianças. Atualmente a casa cuida de 21 acolhidos. “Temos o objetivo de mudar a vida dessas crianças, dar a elas uma vida digna, às vezes nos poucos anos de vida que elas têm. Temos histórias de crianças que tomaram o primeiro banho de chuveiro aqui”, compartilha a vice-presidente da instituição.

Além da dignidade, o Instituto ainda busca garantir outro direito previsto no ECA, ao aproximar as crianças de suas famílias, quando identificadas. “Muitas delas estavam abandonadas nos hospitais, e as famílias, a maioria humilde, por dificuldade de entenderem o que estava acontecendo, por terem que cuidar do trabalho, dos filhos e do dia a dia, acabavam deixando as crianças”, explica Ana Laura. A organização busca dar suporte às famílias dos acolhidos, inclusive com empregos na instituição. No cenário de pandemia, o Instituto reforça seu objetivo propiciando um ambiente seguro aos meninos e meninas, longe dos corredores de hospitais.